terça-feira, 25 de setembro de 2012

Prisão sem muros

libertas quae sera tamen - Parte 2 de 2


          A floresta era fantástica, de cara era notável grande diferença daquelas do outro lado do mar. Parecia ter muito mais vida, sons de animais por todos os lados, principalmente de pássaros, pequenos primatas corriam pelas árvores para observar o recém chegado. Com certeza passaria muito tempo ali para pesquisar todas aquelas novas formas de vida que não conhecia. Procurou um lugar para formar uma base, andou em direção a montanha que tanto lhe tinha impressionado, ela não podia ser vista de dentro da mata fechada, mas a direção era conhecida. Depois de algumas horas de caminhada, alcançando o sopé da grande montanha Joroln maravilhou-se novamente, uma árvore estrondosa, se erguia maior e mais bela do que todas as outras, como uma rainha entre as outras, soberana na floresta. Sem a menor dúvida era ali que iria morar enquanto fazia suas pesquisas pela área, a árvore lhe proporcionaria o abrigo e o conforto necessário.
            Toda aquela sensação de ligação que os outros elfos tem com as árvores, que há algum tempo tinha se passado, voltara imediatamente ao contato com aquela árvore maravilhosa, mãe daquela floresta, que representava toda a natureza do lugar. Iniciou o reconhecimento e a catalogação da fauna e da flora, ainda não tinha subido muito na montanha, que inicialmente tinha lhe encantado tanto. Ficava bem próximo a ela, onde agora morava, meses se passaram e Joroln não percebia o tempo passar. Também não percebeu que cada vez mais sua relação com ela se aprofundava, ele podia sentir seu espírito, se integrar com a natureza da floresta através dela.
            O elfo e a árvore se completavam, não só Joroln se sentia bem, mas ela tambpem se alegrava com a presença dele. Um fazia bem para o outro, e toda a floresta exalava vida como nunca. A harmonia era perfeita entre os dois seres, mesmo sendo ele tão diferentes.
            Inicialmente a pesquisa ocupava todo seu tempo durante o dia, e a noite voltava para seu refugio descansar e organizar as ideias. Planejou conhecer mais sobre o ambiente da mata antes de escalar a montanha, mas esse plano não deu muito certo. Depois dos primeiros meses, cada dia que passava a pesquisa de campo tomava menos tempo, todo o resto acabava por esquecido enquanto sua relação com a árvore chegava a um ponto transcendental. Aos poucos foi esquecendo do porque estava ali, sentia-se completo somente por estar onde estava, não movia-se para longe de sua morada, o mínimo necessário para conseguir água e alimento, Joroln parecia estar em transe, mas se sentia bem como estava.
            Três anos se passaram desde sua chegada àquela terra, o elfo se encontrava totalmente diferente do momento em que aportou na praia a quilômetros de onde residia agora, nem mesmo se movia para fora da árvore, ficava dias sem colocar sequer o pé no chão, se alimentava das folhas e da casca, bebia a seiva, estava magro e doente, definhava. A árvore também sentia os danos, sua imponência tinha se apagado, as folhas não mais brilhavam, a raiz estava fraca e, juntamente com Joroln caminhavam para a morte. Toda a floresta sentia as dores, os animais eram cada vez menos frequentes, as outras plantas murchavam, como que seu espírito estivesse sendo sugado.
            A situação chegou a um ponto que o elfo desmaiou, desnutrido e desidratado em cima da árvore, a força vital fugia de seu corpo, que permanecia preso ao que antes era sua vida, e estava quase se tornando seu tumulo. Dias se passaram e a morte só não chegou porque até mesmo seu espírito se negava afastar-se dali. Seu corpo inerte escorregou pelo tronco e bateu com força no chão, nem mesmo assim não recobrou a consciência, que só voltou com uma chuva torrencial que atingiu a floresta. A água fria molhava seu rosto e ao mesmo tempo escorria pelo chão, por debaixo dele, e aos poucos aquilo o trouxe de volta, com dificuldade levantou enquanto a chuva ainda caia em seu rosto. Olhou para ela, também quase morta, teve vontade de subir de novo, mas percebeu a realidade da situação, viu a árvore que tanto adorava quase morta, e percebeu-se ainda pior, e todo o ambiente em volta parecia moribundo, sabia que deveria partir, mesmo estando em péssimas condições, tinha que se afastar.
            Pegou algumas poucas coisas ali pelo chão mesmo e com o resto das forças que tinha seguiu em sua missão, foi em direção à montanha. Olhou para traz já com saudade e a certeza da experiência única em sua via. Tinha em sua mente a incrível relação que construiu com aquele ambiente, centralizado na árvore, inicialmente sentindo-se o mais feliz dos elfos, mas que com o tempo se tornou maléfica para ambos os lados. Conseguiu se libertar do transe e sentia-se outra vez livre.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Prisão sem muros

Um estranho no ninho - parte 1 de 2


            Em tempos imemoriáveis, quando a raça humana ainda se amontoava em cavernas e pouco se diferenciava de outros hominídeos, uma outra espécie dominava o planeta. Os elfos reinavam soberanos sobre as outras espécies, com a diferença de que viviam em harmonia com o meio ambiente.Suas cidades se misturavam às florestas, sendo parte delas, perfeitamente integradas.
            Como eles chegaram aqui e para onde eles foram não é o ponto dessa estória, e sim a aventura de um jovem elfo chamado Joroln. Que era bem diferente dos outros de sua espécie em uma coisa, não se sentia bem em sua cidade-floresta. Os elfos, no geral, passavam a vida toda em suas cidades , saindo o mínimo possível, normalmente apenas viajando de uma para outra, mantendo o contato entre as nações élficas.
            Joroln cresceu imaginando como seria o mundo além das fronteiras de sua cidade sem nunca se sentir preparado para viver sozinho em terras distantes. A cidade onde vivia era a maior das nações élficas, ocupava um espaço maior que as atuais megalópoles humanas, contudo, se fosse sobrevoada, nem mesmo seria percebida como além de uma floresta. Ele andava por todos os lados da cidade, ainda jovem, mas um dos que mais conhecia aquela cidade, outros elfos não costumavam nem mesmo afastar-se muito além dos arredores de onde cresciam. Aqueles eram os costumes e a vida tranquila, com tudo o que precisavam. Apenas Joroln não se sentia bem, restrito aquele lugar, sentia-se preso.
            Quando completou sua maioridade devia escolher sua função na sociedade, não teve dúvidas ao escolher ser explorador. Foi facilmente aceito pelo conselho da cidade, pois muito poucos queriam aquela função, por muitas vezes ninguém. Joroln passou por um treinamento de sobrevivência em diversos ambientes e conhecimento de outras culturas. O treinamento durou vários anos, mas o tempo para os elfos é diferente.
            Já nos anos finais do aprendizado ele ia sozinho a vários lugares fora de sua cidade, as vezes até algumas outras cidades, mas nunca onde não havia sido mapeado por outro explorador anteriormente. Quando o treino foi terminado recebeu sua primeira missão, relativamente simples, iria com outro explorador continuar o mapeamento de uma zona árida a leste de sua cidade. Era uma viagem curta, voltaria em mais ou menos um mês, seria a primeira missão de Joroln como explorador e a última de seu companheiro.
            O percurso foi tranquilo, o elfo mais velho era muito experiente e conhecia bem o caminho, tinha desbravado sozinho a maior parte daquela região. Em uma semana de viagem, partindo da fronteira da cidade, eles alcançaram a orla da imensa floresta onde viviam. Dali pra frente o clima ficava cada vez mais árido, a medida que iam em direção ao leste, até a área que iria ser mapeada. Em mais uma semana  estariam em pleno deserto, já em uma zona inexplorada.
            Joroln nunca tinha estado em um deserto como aquele, um mar de areia, um vazio sem fim. Depois do primeiro dia caminhando e catalogando a região, ao por do sol começaram a armar as tendas para dormirem. Quando terminaram de arrumar o acampamento ele percebeu, jamais havia dormido fora de uma árvore, aquilo o deixou transtornado, só assim percebeu o quanto estava acostumado com seu ambiente nativo. Não dormiu nada aquela noite.
            Os elfos tinham uma ligação muito forte com a floresta, principalmente com as árvores, mais do que simplesmente uma moradia, sentiam-se parte daquele ambiente. A semana que passaram no deserto foi muito angustiante para Joroln, ele só pensava em voltar para o conforto da floresta. Depois dessa primeira viagem ele passou a ser o único explorador da cidade, e teria de voltar ao deserto sozinho.
            O tempo passou, e a cada viagem, a cada quilometro explorado Joroln se sentia menos incomodado pelo fato de não estar em uma floresta, mesmo assim a desejava todo dia que estava longe dela. Não mais sentia a sensação de estar preso, as explorações passaram a ser a maior parte de sua vida, enquanto a cidade e seu povo ficavam para trás. As vezes ficava mais de um ano em um ambiente, para pesquisar todas as estações, conheceu os mais diversos lugares e explorou também o mar. Se tornou muito experiente e conseguia cobrir cada vez mais terreno, coletava muitas informações dos lugares aonde ia, fauna, flora, geografia. Criou fama entre os elfos e por algumas vezes fez explorações para outras nações. Um dia recebeu um pedido de uma cidade ao norte da sua. Ainda mais ao norte havia um mar que nenhum explorador  jamais havia conseguido ultrapassar, apenas se sabia que existia terra do outro lado.
            Joroln aceitou o pedido como um desafio, nunca havia estado naquela costa. A sensação de estar em um lugar desconhecido e as histórias sobre o que haveria depois fizeram-no ficar tão animado como em sua primeira viagem. Tudo o que sabia sobre o outro lado era que os outros elfos que tentaram e voltaram, avistaram uma distante montanha. O mar era revolto, e a primavera teve de ser esperada para os ventos estarem na direção certa, o barco era o maior que ele já havia navegado e levava comida e água, supostamente,  suficientes para a ida e a volta. Foi sozinho, ninguém mais aceitaria aquela missão, nenhum elfo sentia-se bem à ir em direção ao desconhecido, Joroln era realmente um elfo muito fora do comun.
            Uma grande preparação foi feita, pelos relatos anteriores a viagem duraria cerca de um mês  até a costa do outro lado do mar, se nada desse errado. Joroln partiu nos primeiros dias da primavera, o vento soprava forte na vela e levava o barco em direção ao norte, para o mar aberto. Em poucas horas só se via água por todos os lados, completamente sozinho, atarefado com a coisa que mais gostava, livre.
            O percurso era muito duro, apesar da distância não ser tão longa, em outras águas mais calmas teria coberto mais que o dobro do espaço no mesmo tempo. O vento em mar aberto não ajudava-o como ele esperava, as correntes marítimas eram muito fortes e o distanciavam de sua meta. Com quase um mês passado desde sua partida avistou a ponta da montanha que haviam descrito, era a única coisa que indicava terra firme. Naquela noite uma forte tempestade quase afundou o barco, Joroln ficou toda a madrugada lutando contra a tormenta tropical, que por pouco não o matou, se o barco virasse não teria a mínima chance de sobreviver. Quase ao amanhecer, já com o mar mais calmo, caiu exausto no convés e dormiu a maior parte do dia. Quando acordou o sol já se adiantava a oeste, e sem saber como o barco tinha sido levado à apenas alguns quilômetros da praia, percebeu-se próximo ao seu destino.
            No entanto o que realmente chamou a atenção do elfo foi a imensa montanha, que se erguia colossal por detrás da floresta costeira. Ainda estava distante, mas já tomava boa parte da paisagem, um cenário lindo. Em sua base a floresta avançava até boa altura, depois davam lugar a escarpas rochosas e em seu cume a neve se acumulava, devido a altitude elevada. De imediato tratou de avançar em direção a praia para poder ter um descanso depois de tanto tempo no mar, queria conhecer aquela floresta, e mais ainda a montanha.
            Ao tentar avançar em direção à terra logo percebeu que não seria uma tarefa fácil. Uma corrente marítima cortava a costa e jogava a embarcação de volta para o mar aberto, aquele últimos quilômetros pareciam intransponíveis. Joroln decidiu esperar o anoitecer, torcendo para que o vento mudasse de direção, e soprasse para a costa, uma de suas velas tinha sido rasgada na tempestade da noite anterior e somente a menor lhe sobrava. Foi necessário muito esforço e perícia para vencer a corrente, era madrugada quando o barco, com muitas avarias, aportou na praia desconhecida.