sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O andarilho - parte 2

Filosofias de um morto

Tudo parecia diferente agora. Henrique tentava se lembrar de alguma coisa, mas nada lhe vinha à cabeça, até parecia que seu cérebro tinha se desligado. Nem mesmo seu nome ele lembrava, por mais que se esforçasse nada lhe vinha em mente.

A sala estava vazia quando Henrique acordou para o pós-vida; seu filho já havia partido, não que isso fizesse muita diferença agora. Tempo era outra coisa que ele já não compreendia, minutos e horas já não significavam nada. Por alguns minutos ele ficou ali parado, de pé, no meio da sala tentando pensar, e sem saber o que fazer. Mas noutro ponto do hospital as coisas não estavam tão tranqüilas, policiais procuravam controlar a situação atirando nos zumbis. Isso atraiu muito a atenção de Henrique, que deixando suas tentativas filosofais de auto-existência, saiu em direção ao barulho dos tiros. Não que ele entendesse o que estava havendo ou mesmo que som era aquele, no entanto ele sentia uma imensa necessidade de ir em direção ao barulho, algo como um instinto.

Ao andar pelo corredor em busca do som, Henrique se deparou com outras pessoas, que como ele, iam atrás do som dos tiros. Ele não teve muito tempo para refletir sobre aquelas outras pessoas, estava interessado demais no som para pensar em outras coisas. Mais disparos lhe chamavam a atenção, assim apenas deu uma olhada para o lado enquanto caminhava e viu uma enfermeira toda suja de sangue e com um grande ferimento na cabeça, não se importou com aquilo e continuou andando. Andar, Henrique não conseguia se lembrar direito, mas tinha a impressão de que aquilo já fora mais fácil. Ele caminhava lenta e dolorosamente, queria, no entanto não conseguia ser mais rápido.

Finalmente no salão principal, de onde os tiros tinham sido disparados, a cena era cinematográfica, um filme de terror trash. O vermelho do sangue cobria o branco original da sala; o chão, as paredes, sofá e cadeiras, tudo coberto de sangue e restos humanos. Outra coisa que tomava o lugar agora eram os zumbis, cada vez mais chegavam e lotavam a sala, até pelo elevador vinham os mortos andantes.

Henrique ao entrar no salão se deparou com vários outros que tinham chegado antes dele. Os policiais ainda tentavam resistir, apenas três restavam, quatro já estavam sendo devorados. Quando outro foi alcançado, os últimos dois desistiram e correram em direção a porta de saída. Para a infelicidade deles alguns zumbis estavam em seu caminho. Alguns tiros, mais um policial e quatro zumbis mortos, o ultimo policial conseguiu escapar.

O cheiro, aquele cheiro invadia a narina dos zumbis e os atiçava ainda mais, o lugar estava completamente tomado por um fedor putrefato, mas tudo o que os zumbis sentiam era o cheiro de carne fresca. Isso era tudo o que desejavam, jogavam-se em direção aos corpos dos policiais dominados por uma fome esmagadora. Com Henrique não foi diferente, ele foi o mais rápido que podia em direção ao corpo mais próximo. Este já havia sido devorado quase que por completo, os zumbis eram rápidos nisto, para ele sobrara apenas um pequeno pedaço de algum órgão já dilacerado. Isto foi o bastante para querer mais, a fome tomou por completo seus escassos pensamentos. Ele, assim como os outros foram em direção à rua, de onde vinham outros barulhos.

Na rua os zumbis já se espalhavam, não só do hospital, mas de todos os lugares os mortos voltavam à vida e caminhavam em busca de carne. Para os vivos só restava fugir, os poucos que tentavam combatê-los acabava virando comida. Num telão uma emissora que ainda estava no ar anunciava: Os MORTOS tomaram a cidade, fujam para o interior. E imagens de zumbis andando pelas avenidas, comendo pessoas eram mostradas.

Henrique, que estava atrás de algo para saciar sua fome, andava pela avenida em direção há pessoas que corriam para se salvar. Algumas abandonavam seus carros devido ao trafego, outras pensavam manter-se protegidas dentro de seus automóveis. No geral a maioria não conseguia se safar, os zumbis eram lentos e burros, contudo em grande número, chegavam de toda parte e cercavam as vítimas.

Um homem de moto, desesperado, a mulher que estava na garupa já havia sido pega pelas criaturas, ele ia em direção ao Henrique, a toda velocidade, planejava atropelá-lo. Henrique só via comida, e foi na direção da motocicleta, seria morto, pela segunda vez. Poucos segundos antes de ser atropelado, outro zumbi entrou na frente da moto e desviou sua trajetória. O zumbi foi despedaçado, o homem voou da moto e foi atacado rapidamente e Henrique jogado longe. Caído, nem mesmo conseguiu um pedaço do corpo do motoqueiro. A fome aumentava e o corroia por dentro, nada mais havia naquele lugar a não ser zumbis vagando sem rumo.

Vagar, andar sem rumo atrás de sua necessidade maior, foi o que sobrou para Henrique, que começou sua jornada sem saber para onde ia, o que ia acontecer. Andou por dias quase sem parar, as vezes escutava ou via algo que lhe chamava a atenção e mudava seu rumo. A fome que lhe consumia as entranhas e a mente não passava, não encontrara nada para comer, mas mesmo assim não sentia cansaço ou fraqueza, ele apenas continuava. Foi até se acostumando com a fome, e com isso conseguindo até pensar um pouco, não como os vivos, mas mesmo assim um grande avanço para sua condição degenerada.

Ele pensava em porque estava andando, e para onde. Porque sentia tanta fome? E quanto mais ele andava sem encontrar comida, mais ele conseguia pensar, caminhava para superar seu instinto primário. Mas ao primeiro sinal de vivos, tudo se perdia e ele ia em busca do alimento. Quando o conseguia então, meses de reflexão se perdiam em carne humana fresca.

Certa vez quando já estava há quase um ano sem se alimentar, seus pensamentos já não sumiam ou se perdiam em sua cabeça, foi então que decidiu que não mais se alimentaria, já percebera que não morreria por isso, já estava morto. E incrivelmente conseguiu resistir, um mês depois escutou o som de pessoas conversando dentro de um celeiro por onde passava, a vontade de comê-las foi forte, mas ele continuou andando, tinha conseguido. Segundos depois uma bala atravessa seu cérebro, o vigia do acampamento o alvejara para manter a segurança de seus companheiros; e Henrique vai ao chão de novo, desta vez pra sempre.


Um comentário:

  1. Caramba Perna, gostei bastante da história, NUNCA tinha pensado em escrever uma história de zumbis a partir do ponto de vista do próprio zumbi, conheço um site que publicaria ela (onde eu publico as minhas). Se interessar me fala!

    Ah, eu também estou com um blog onde eu estou publicando meus contos e poesias e de quebra ainda estou tentando fazer um "diário" as vezes fantasioso, as vezes não...
    Se interessar:
    www.contosetudomais.blogspot.com

    Abração cara, no aguardo de mais postagens!

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