quinta-feira, 8 de março de 2012

Herói de brinquedo


            Leonardo crescera no subúrbio da cidade de São Paulo, filho caçula de uma família de classe média, sem muitas posses, mas também sem passar necessidades. Seu pai Eduardo, era operário da mesma fábrica desde muito novo, e tinha um salário razoável, sua mãe Vanessa, era secretária em uma multinacional. O mais velho dos filhos era Felipe, um garoto alto, bonito e esforçado, motivo de orgulho para os pais. Paula era a única menina, talentosa e inteligente e muito amável com todos. A casa deles vivia alegre, com as poucas preocupações que causam uma grande metrópole. Pode-se dizer que eram uma família feliz, até o dia que jamais esquecerão.
            Imaginação, essa seria a palavra usada para definir o alegre garoto que brincava diariamente com seus bonecos de super heróis. Leo era tímido e introspectivo, nem por isso deixava de ter muitos amigos. Além das grandes aventuras com heróis imaginários, ele brincava com os garotos do prédio onde morava. Na escola tinha boas notas, era um garoto inteligente, no entanto um pouco distraído. Um professor de história, o favorito de Leo, sempre dizia “Esse garoto viaja demais, isso é ótimo, ele vai longe”.
            Durante muito tempo a maior paixão de Leonardo tinham sido as histórias em quadrinhos, e mesmo dando importância a outras coisas nunca as deixara. Quando pequeno se divertia com a Turma da Mônica, lá pelos 12 anos os super-heróis enfeitavam seu quarto e sua mente. Era fascinado por aquelas estórias de pessoas com poderes incríveis, que salvavam o dia, envoltos em uma máscara e mistério. Por diversas vezes sonhava que fazia partes daqueles heróis camuflados, muitas desses sonhos eram enquanto ele estava acordado.
            Leonardo continuava crescendo, mas sua imaginação não se perdera, como acontece com a maioria das crianças. Com 16 anos já tinha lido mais do que a maioria das pessoas lê durante toda a vida. Sempre estava com um livro na mão, seus preferidos eram os de fantasia, nem por isso largou os hq’s. Os super heróis ainda eram companheiros constantes na sua vida. Passava sempre na banca pra dar uma olhada nas novidades, e seu computador era abarrotado com as mais diversas estórias.
            Um dia quando Leo saia da escola, entretido pensando num trabalho de português em que teria de escrever uma estória qualquer, ele avançou pela rua sem perceber que o farol estava aberto, inebriado em sua imaginação fantástica. Um carro veio em sua direção, o motorista fez uma manobra para tentar desviar do garoto na rua e acabou subindo na calçada. O som da brusca freada tirou Leonardo do seu quase transe, e quando ele olhou para o lado viu o carro avançando por cima da calçada e as crianças correndo. Mas uma em especial, Sara, ficou paralisada com a situação, com o carro indo em sua direção, Leo gostava dela desde a oitava série. Com um reflexo muito rápido Leo sai correndo em direção a garota para tentar salva-la. Mas não existia tempo hábil para a manobra. Ele conseguiu chegar à garota, agarrou-a e girando o corpo tomou seu lugar à frente do carro. Os dois foram atingidos, e ele tomou quase todo o impacto, rolaram por cima do capô e caíram ao lado do carro. Leonardo desmaiou na hora, tinha um ferimento na cabeça, que bateu no pára-brisa do carro, e Sara ainda em seus braços. A garota estava em estado de choque com tudo que estava acontecendo.
            Momentos depois Leonardo acorda, sentindo uma forte dor de cabeça, mas consegue se levantar, no lugar onde seu corpo tinha se chocado com o carro havia um grande amassado, como se uma arvore tivesse caído sobre o automóvel. Preocupado com a garota ele tenta ajudá-la, e consegue ver que ela não tem ferimentos graves, pelo menos aparentemente. A ambulância chegou um pouco depois e levou os dois adolescentes e o motorista do carro, que também sofreu alguns ferimentos. No entanto, estranhamente Leonardo se sentia bem, a dor tinha passado e o sangramento já não existia, no hospital foi liberado rapidamente. Aquele dia passou muito conturbado, com as famílias chegando para ver seus filhos no hospital, mas o acidente não passou de um grande susto.
Nos dias que se seguiram Leo se sentiu muito bem, nem parecia ter sido atropelado, apenas notou que ouvia coisas estranhas, como se fossem vozes em sua cabeça, não contou nada para não deixar ninguém assustado. Mesmo afirmando que se sentia bem, seus pais o obrigaram a passar a semana toda em casa descansando, na semana seguinte voltou a sua rotina normal.
            Domingo à noite teve um sonho estranho, em que estava na cama com sua mãe segurando-o pela mão enquanto chorava e pedia pra ele voltar. No dia seguinte na escola, todos queriam saber como ele estava e perguntar sobre o acidente. Sara estava bem e quase não se lembrava do que aconteceu. Na aula de educação física, enquanto jogavam basquete, foi onde ele percebeu que as coisas não estavam normais. No final do jogo, ganhavam por um ponto, e o arremesso do adversário indo direto pra cesta. Olhou fixamente para a bola torcendo para não entrar, quando de repente, a bola tomou uma trajetória totalmente diferente e foi jogada longe. Leonardo sentiu uma pequena dor de cabeça e se agachou, as vozes em sua cabeça ficaram mais altas e nítidas, eram muitas. Em alguns momentos percebeu que escutava os pensamentos de todos ali. Não ficou assustado, imaginou como aquilo acontecera e se conseguiria controlar, pensou no acidente, na batida na cabeça; e nesse momento viu uma mulher toda de branco do seu lado, que logo desapareceu.
            Sua cabeça fervilhava com toda aquela informação, mas ao invés de ficar assustado, Leo ficou muito animado. Era tudo o que mais sonhara, a vida inteira tinha lido sobre os grandes heróis nas hq’s, e agora poderia ser um. Foi correndo pra casa para testar seus super poderes, queria saber do que era capaz e como usar.
            No seu quarto, lembrando da bola desviada, começou tentando mover objetos com sua mente. Partiu de coisas pequenas como uma caneta, um caderno, e em menos de uma hora já estava levantando sua cama até o teto, um lápis voou em alta velocidade pela janela e cravou com força em uma árvore do outro lado da rua. A telecinésia estava testada, faltava conferir se conseguia controlar aquelas vozes em sua mente, telepatia era outro poder que tinha. Do lado de fora do quarto da irmã se concentrou para ouvir seus pensamentos, percebeu rapidamente que ela estava no computador conversando com seu namorado, em mais alguns minutos ficou muito envergonhado com o que ouvira e saiu dali. Usou seu poder também para conversar mentalmente, chamou por sua mãe que estava na cozinha. Ela ouviu e respondeu como se ele estivesse gritado da sala. Leonardo estava pronto para usar seus poderes, continuou treinando para aperfeiçoá-los.
            Leonardo estava pronto pra ser um super herói, mas não podia sair usando a camiseta da escola, e um collant estava fora de cogitação. Foi até o quarto do irmão e catou algumas roupas antigas. Uma bota, uma calça e uma camiseta, tudo preto, e pra completar uma jaqueta de couro e óculos escuros; já tinha seu uniforme. Pegou também o radio amador portátil do seu pai, como nos quadrinhos que conhecia, tinha que ter acesso ao rádio da polícia. Foi pra uma área movimentada da cidade conhecida por muitos assaltos e esperou, não demorou muito o rádio da polícia avisava de um roubo perto de onde ele estava. Leonardo saiu correndo na direção indicada com o coração disparado, quando chegou ao local viu um homem armado dentro de um carro, com uma refém. Foi andando lentamente na direção do carro, alguns policiais já faziam um cordão de isolamento e tentavam negociar. Leo utilizando-se de um pequeno momento de distração do bandido usou seus poderes para fazer a arma voar longe, logo depois o homem foi preso e a vítima libertada. Leonardo nunca esteve tão feliz em sua vida, era um super herói de verdade. Naquela noite teve outro sonho estranho, estava em um quarto branco e todos seus familiares estavam lá, reunidos em volta de algo que não conseguia ver. Quando tentou chegar mais perto, acordou.
            Durante aquela semana Leonardo passou boa parte do tempo como super herói, deteve alguns assaltantes; salvou uma garota de um incêndio, sabia exatamente onde ela estava dentro do prédio em chamas. Manteve o fogo longe com sua telesinésia enquanto conversava com a garota pra ela dizer como encontrá-la. Até mesmo acabou com um sequestro de um garotinho, fez um trabalho de detetive lendo a mente de alguns suspeitos até descobrir o cativeiro e libertar o menino. Quando usava demais seus poderes se sentia fraco, tinha uma dor na cabeça bem onde havia batido no carro que o atropelara; mesmo assim continuava, era por uma boa causa. Certa vez, depois de levantar um carro para tirar um homem de baixo, chegou a desmaiar por alguns minutos.
            Mesmo com essas dores ele adorava sua nova vida, as pessoas já falavam pelas ruas do super herói de São Paulo, os jornais noticiavam cada uma de suas aparições. Leo era pura felicidade, todos o amavam, e ele amava ser o herói de todos, sua vida parecia um sonho. Em uma noite depois de um dia muito cansativo, Leo acordou assustado escutando sua mãe chorar, pensou logo que mesmo dormindo seus poderes funcionavam e levantou para ver averiguar a situação, mas ela não estava chorando, não estava nem mesmo acordada. Apesar de esses sonhos serem cada vez mais frequentes, e ele ter percebido clara relação com o uso excessivo dos poderes, não deu muita bola pra isso, ser herói era mais importante.
            Fazia cerca de dois meses desde o acidente, quase isso como herói da cidade, Leonardo nem se lembrava mais como era sua vida antes de tudo isso acontecer. Ele fazia uma ronda na zona oeste da cidade, próximo a rodoviária, quando escutou por seu rádio que ocorrera um grave acidente na ponte estaiada sobre o rio Pinheiros, com vários feridos; pediam toda a ajuda possível, urgente. Sabia que aquilo era com ele, mas estava tão longe, e precisava chegar muito rápido ao local, para salvar o maior número de pessoas.
            Pensou, então, numa maneira mais rápida de se locomover, seria arriscado, mas necessário. Concentrou-se e colocou toda a força de sua telecinésia em seu próprio corpo e se lançou pelo ar, em alta velocidade na direção da zona sul. Sem nem mesmo saber se essa tentativa daria certo, percebeu que conseguia controlar seu corpo no ar. Chegou rapidamente até o local do acidente, a aterrissagem foi um grande esforço, a velocidade era muito alta, contudo ele se saiu bem.
            A situação era terrível, um engavetamento de vários carros tinha deixado vários feridos, e o pior era um ônibus escolar cheio de crianças, que pendia na beirada da ponte quase caindo no rio. De imediato Leonardo sabia o que tinha de ser feito, e correu em direção ao ônibus para puxá-lo de volta, ninguém mais poderia fazer esse trabalho; um guindaste jamais chegaria a tempo. No entanto o ônibus era pesado demais, nunca tinha levantado tanto peso, se esforçou muito, muito mais do que pensara ser possível. Tirou forças do incentivo das pessoas na ponte, que ovacionavam seu esforço. Lentamente o ônibus foi subindo de volta para a ponte, a cada centímetro de subida a dor na cabeça aumentava. Quando as crianças estavam a salvo ele foi ao chão, exausto e com muita dor, um som muito alto, agudo e contínuo começou tocar em sua cabeça, e isso se misturava com o som dos aplausos e gritos de todas as pessoas.
            O som e a dor eram cada vez mais fortes – piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii – era tudo o que conseguia ouvir, a dor de cabeça era muito forte e de repente um grande impacto no peito, só que não via nada lhe acertando. Quando percebeu estava deitado de costas no chão e veio outro impacto, tudo desapareceu num clarão branco e num relance se viu num hospital com várias pessoas em volta, eram médicos tentando reanimá-lo. A consciência se foi tão rapidamente quanto veio, o som agudo vinha de um monitor cardíaco e os impactos no peito vinham de um desfibrilador, as dores de cabeça eram provenientes da pancada no pára-brisa do carro. Tinha estado todo esse tempo em coma, sonhando. Mas o sonho tinha acabado, juntamente com sua vida.

Um comentário:

  1. To na dúvida se meu comentario ja foi...
    hahah
    adorei o texto, voce escreve divinamente bem ;)
    beijo :)

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