sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O andarilho - parte 2

Filosofias de um morto

Tudo parecia diferente agora. Henrique tentava se lembrar de alguma coisa, mas nada lhe vinha à cabeça, até parecia que seu cérebro tinha se desligado. Nem mesmo seu nome ele lembrava, por mais que se esforçasse nada lhe vinha em mente.

A sala estava vazia quando Henrique acordou para o pós-vida; seu filho já havia partido, não que isso fizesse muita diferença agora. Tempo era outra coisa que ele já não compreendia, minutos e horas já não significavam nada. Por alguns minutos ele ficou ali parado, de pé, no meio da sala tentando pensar, e sem saber o que fazer. Mas noutro ponto do hospital as coisas não estavam tão tranqüilas, policiais procuravam controlar a situação atirando nos zumbis. Isso atraiu muito a atenção de Henrique, que deixando suas tentativas filosofais de auto-existência, saiu em direção ao barulho dos tiros. Não que ele entendesse o que estava havendo ou mesmo que som era aquele, no entanto ele sentia uma imensa necessidade de ir em direção ao barulho, algo como um instinto.

Ao andar pelo corredor em busca do som, Henrique se deparou com outras pessoas, que como ele, iam atrás do som dos tiros. Ele não teve muito tempo para refletir sobre aquelas outras pessoas, estava interessado demais no som para pensar em outras coisas. Mais disparos lhe chamavam a atenção, assim apenas deu uma olhada para o lado enquanto caminhava e viu uma enfermeira toda suja de sangue e com um grande ferimento na cabeça, não se importou com aquilo e continuou andando. Andar, Henrique não conseguia se lembrar direito, mas tinha a impressão de que aquilo já fora mais fácil. Ele caminhava lenta e dolorosamente, queria, no entanto não conseguia ser mais rápido.

Finalmente no salão principal, de onde os tiros tinham sido disparados, a cena era cinematográfica, um filme de terror trash. O vermelho do sangue cobria o branco original da sala; o chão, as paredes, sofá e cadeiras, tudo coberto de sangue e restos humanos. Outra coisa que tomava o lugar agora eram os zumbis, cada vez mais chegavam e lotavam a sala, até pelo elevador vinham os mortos andantes.

Henrique ao entrar no salão se deparou com vários outros que tinham chegado antes dele. Os policiais ainda tentavam resistir, apenas três restavam, quatro já estavam sendo devorados. Quando outro foi alcançado, os últimos dois desistiram e correram em direção a porta de saída. Para a infelicidade deles alguns zumbis estavam em seu caminho. Alguns tiros, mais um policial e quatro zumbis mortos, o ultimo policial conseguiu escapar.

O cheiro, aquele cheiro invadia a narina dos zumbis e os atiçava ainda mais, o lugar estava completamente tomado por um fedor putrefato, mas tudo o que os zumbis sentiam era o cheiro de carne fresca. Isso era tudo o que desejavam, jogavam-se em direção aos corpos dos policiais dominados por uma fome esmagadora. Com Henrique não foi diferente, ele foi o mais rápido que podia em direção ao corpo mais próximo. Este já havia sido devorado quase que por completo, os zumbis eram rápidos nisto, para ele sobrara apenas um pequeno pedaço de algum órgão já dilacerado. Isto foi o bastante para querer mais, a fome tomou por completo seus escassos pensamentos. Ele, assim como os outros foram em direção à rua, de onde vinham outros barulhos.

Na rua os zumbis já se espalhavam, não só do hospital, mas de todos os lugares os mortos voltavam à vida e caminhavam em busca de carne. Para os vivos só restava fugir, os poucos que tentavam combatê-los acabava virando comida. Num telão uma emissora que ainda estava no ar anunciava: Os MORTOS tomaram a cidade, fujam para o interior. E imagens de zumbis andando pelas avenidas, comendo pessoas eram mostradas.

Henrique, que estava atrás de algo para saciar sua fome, andava pela avenida em direção há pessoas que corriam para se salvar. Algumas abandonavam seus carros devido ao trafego, outras pensavam manter-se protegidas dentro de seus automóveis. No geral a maioria não conseguia se safar, os zumbis eram lentos e burros, contudo em grande número, chegavam de toda parte e cercavam as vítimas.

Um homem de moto, desesperado, a mulher que estava na garupa já havia sido pega pelas criaturas, ele ia em direção ao Henrique, a toda velocidade, planejava atropelá-lo. Henrique só via comida, e foi na direção da motocicleta, seria morto, pela segunda vez. Poucos segundos antes de ser atropelado, outro zumbi entrou na frente da moto e desviou sua trajetória. O zumbi foi despedaçado, o homem voou da moto e foi atacado rapidamente e Henrique jogado longe. Caído, nem mesmo conseguiu um pedaço do corpo do motoqueiro. A fome aumentava e o corroia por dentro, nada mais havia naquele lugar a não ser zumbis vagando sem rumo.

Vagar, andar sem rumo atrás de sua necessidade maior, foi o que sobrou para Henrique, que começou sua jornada sem saber para onde ia, o que ia acontecer. Andou por dias quase sem parar, as vezes escutava ou via algo que lhe chamava a atenção e mudava seu rumo. A fome que lhe consumia as entranhas e a mente não passava, não encontrara nada para comer, mas mesmo assim não sentia cansaço ou fraqueza, ele apenas continuava. Foi até se acostumando com a fome, e com isso conseguindo até pensar um pouco, não como os vivos, mas mesmo assim um grande avanço para sua condição degenerada.

Ele pensava em porque estava andando, e para onde. Porque sentia tanta fome? E quanto mais ele andava sem encontrar comida, mais ele conseguia pensar, caminhava para superar seu instinto primário. Mas ao primeiro sinal de vivos, tudo se perdia e ele ia em busca do alimento. Quando o conseguia então, meses de reflexão se perdiam em carne humana fresca.

Certa vez quando já estava há quase um ano sem se alimentar, seus pensamentos já não sumiam ou se perdiam em sua cabeça, foi então que decidiu que não mais se alimentaria, já percebera que não morreria por isso, já estava morto. E incrivelmente conseguiu resistir, um mês depois escutou o som de pessoas conversando dentro de um celeiro por onde passava, a vontade de comê-las foi forte, mas ele continuou andando, tinha conseguido. Segundos depois uma bala atravessa seu cérebro, o vigia do acampamento o alvejara para manter a segurança de seus companheiros; e Henrique vai ao chão de novo, desta vez pra sempre.


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O andarilho - Parte 1

Até Tu Brutus


Henrique era um homem comum, em nada se destacava na multidão. Um cidadão de classe média que tinha esposa, um filho e morava num apartamento pequeno e aconchegante na cidade de São Paulo. Ele não tinha grandes opiniões formadas sobre assuntos polêmicos e nem pretensas ideologias. Ele queria apenas viver uma vida confortável e pacata com sua família e amigos até que a morte o levasse para o desconhecido.

E foi exatamente isso o que aconteceu, a morte chegou para Henrique, apenas um pouco antes do que esperava. E assim como ele acreditava, tal espírita que era, a morte não era o fim, apenas uma mudança na forma, um outro tipo de vida. Só não era o que ele imaginava ser, na verdade era bem diferente.

Henrique tinha acabado de chegar do trabalho, e já na entrada notou algo diferente do costumeiro, não sentiu o cheiro do jantar. Ao passar pela sala viu sua esposa aflita em frente à televisão, nem mesmo percebeu sua chegada. Ao indagar a esposa o que acontecera logo foi puxado para frente da TV. Na tela um tele jornal, e edição extraordinária, falava de uma epidemia que se espalhava rapidamente nos EUA. Não se sabia ao certo que doença era aquela, os repórteres apenas alertavam quanto à transmissão muito rápida da doença.

Ele não deu muita bola não, disse que era coisa de americano, e que só queriam assustar as pessoas; e mesmo que fosse verdade, essa doença não chegaria até o Brasil. Ele não poderia estar mais enganado. De qualquer forma, Henrique continuou levando sua vida como sempre. Ouviu falar que a doença continuava se espalhando, que chegara a America Latina, mas dai então não ouviu mais nada, nenhuma notícia chegava dos EUA. Ele não se preocupou mais. Outra semana passou e então ele começou a receber notícias verdadeiras e mais completas sobre a doença. Aparentemente ela fazia com que as pessoas morressem rápido, devido à infecção e febre, e que já se alastrava pelas maiores cidades do país.

Mas como assim, Henrique morava em São Paulo, e não tinha visto nada de estranho. Naquele dia, ao chegar do trabalho, sua esposa disse que seu filho estava com febre alta, tinha chegado assim da creche. Ele tentou baixar a febre do filho, mas o garoto não respondia aos medicamentos. No hospital o caos era completo, o lugar estava repleto de pessoas com essa febre, alguns jogados nos corredores, pois os leitos já não eram suficientes. De repente gritos: UM DELES ESCAPOU! CUIDADO, CUIDADO! E Henrique o viu, andava devagar, parecia não ter rumo, até que atacou uma outra paciente que esperava no corredor. O homem mordeu a mulher, arrancou-lhe um pedaço do braço e começou a mastigar. Nesse momento o segurança chegou para dominá-lo, mas acabou sendo mordido também. Todos são levados para uma outra sala. Em poucos minutos um médico e dois enfermeiros saem correndo e o segurança que havia sido mordido caminhava atrás deles.

Neste momento sua esposa volta desesperada, gritando que seu filho tinha morrido. Henrique faz força para manter um mínimo de sanidade ao ver o corpo de seu filho de cinco anos nos braços de sua esposa. Já em desespero Henrique toma-o em seus braços e corre para além da sala de espera onde estava, na esperança de encontrar um médico e salvar a vida de seu filho. Correndo com a criança nos braços para dentro do hospital bate de encontro com o segurança que na mesma hora vai ao chão. Henrique sem se preocupar e nem mesmo olhar direito para o homem que ele havia derrubado, continua correndo a procura de um médico. Se tivesse olhado para o segurança no chão teria visto que ao cair ele agarrou a perna de uma mulher que passava e a mordeu, fora a aparência putrefata do segurança. Mas nem mesmo o grito da mulher ele ouviu.

Correndo desesperado ele encontrou uma sala vazia e colocou seu filho em um dos leitos. Tentava reanimá-lo de todas as formas, gritava por ajuda médica, mas ninguém o atendia. Começou a chorar sobre o corpo do filho na cama perguntando a Deus porque fazia isso com ele. Então Henrique sente que seu filho voltava a se mexer, olhou para ele e o garoto estava com os olhos abertos. Uma alegria tão grande preencheu seu corpo que ele nem mesmo reparou no aspecto estranho da criança. Apenas o abraçou, chorando e dando graças a Deus por devolver seu filho.

Sentiu, assim, uma mordida em seu pescoço. Assustado afastou o garoto de seu corpo e ele mastigava a carne do próprio pai. Henrique percebera agora o que estava acontecendo, perdeu as forças e foi ao chão. Seu filho, já em outro estagio da “vida”, rolou por metade do quarto com o impulso da queda de seu pai e, assim que pode levantou-se para ir atrás das pessoas que passavam correndo na porta.

Algum tempo depois Henrique também levantou, mas já não era o mesmo. Já não sentia a perda do filho, nem mesmo lembrava dele, nem da esposa. Tudo o que sentia era uma fome imensa, uma vontade incontrolável de comer carne humana.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Nostalgia pouca é bobagem

Muitas das pessoas que são admiradas na sociedade são vistas como “a frente de seu tempo”. São pessoas do futuro, – eles dizem – pensam a frente. Sabemos muito bem que essas pessoas não são exatamente do futuro, apenas não ficam tão grudadas às imposições da sociedade, tendem a se libertar um pouco mais.

Mas esse não era o caso de Adalberto, não que ele fosse uma pessoa presa aos padrões da sociedade, muito pelo contrario. Ele não era uma pessoa a frente de seu tempo, isso ele não era mesmo. Adalberto era um cara atrás de seu tempo, ele não se dava de jeito nenhum com a época em que vivia, não gostava mesmo. Por isso ele escolheu outra época para viver.

Ele não compreendia aquele mundo maluco, onde tudo mudava sempre e sempre, onde o que era legal num dia, no outro era “podre” e depois voltava a ser “cool”. Ouviu ate uma música sobre um cara que mudava de forma toda hora, e mudava junto de opinião, metamorfoseava-se, essa era a palavra da música. Adalberto não gostava de nada disso, quando ele gostava de alguma coisa, gostava mesmo, não deixava de gostar só porque estava fora de moda, e nem começava a gostar porque era popular.

Assim, ele era bem diferente de todos à sua volta, isso ocasionava muitos problemas ao garoto. Perto da adolescência, quando decidiu que queria viver em outra época, ainda não sabia em que época queria viver, apenas não houvera de ser aquela. Sua mãe achava muito estranho o garoto aparecer de modos completamente diferente de tempos em tempos. E dizia “Essa moçada de hoje em dia não sabe o que quer”, e Adalberto respondia sempre com um “Não sou de hoje em dia mãe”. Já seu pai, um cara muito legal e com um espírito sempre jovem, incentivava o garoto, e dizia para sua esposa “Deixa o menino Raquel, deixa ele se encontrar”. Carlos, o pai de Adalberto, sempre o levava a museus e antiquários para lhe mostrar as coisas de outra época que ele tanto gostava.

Mas logo o garoto se encontrou, Adalberto percebeu que o que ele gostava de verdade era de sua infância, gostava dos anos 80. Naquela época, dizia ele, as coisas eram muito mais batutas. Ele percebeu que conforme crescia seus amigos foram se transformando, de acordo com as mudanças da sociedade. Mas ele não gostava dessas mudanças, foi quando decidiu que não gostava daquela época, e acabou perdendo o contato com seus amigos. Cada vez mais ele entrava nos anos 80, passava as tarde assistindo filmes como “Clube dos Cinco” e “Conta Comigo”, conseguiu também os desenhos daquela época, e não se importava se eram repetidos, ainda assim eram muito melhores do que os que passavam na televisão.

Adalberto também se vestia como se estivesse nos anos 80, pois pra ele, estava mesmo; não se importava que o resto do mundo já tinha passado da virada do século. Ele continuava a ser um cara descolado, com sua jaqueta jeans surrada, calças rasgadas e um walkman amarelo da Sony, onde ele escutava punk, hard rock e pós-punk. Entristecia-se ao saber que nunca iria ver a maioria de seus ídolos.

E assim ele passou sua adolescência, sem muitos amigos, pois todos o achavam muito estranho, maluco, diziam alguns; algumas garotas da escola falavam que ele era “retrô”, ele nem mesmo sabia o que era isso. Mesmo assim Adalberto não foi um jovem infeliz, o mundo que escolheu viver era acolhedor. E quando terminou a escola tinha certeza do que ia fazer, era óbvio, História, não teria como escolher outra coisa. Era o que ele mais desejava, uma profissão onde pudesse continuar a viver em seu mundo, sem ter que se adequar as maluquices do século XXI. Bom, não foi bem o que ele encontrou. Na faculdade ele passou a se enturmar um pouco mais, claro, lá ser diferente é que é legal. Mesmo assim ainda tinha gente que não gostava dele, a maioria eram uns caras com camisetas vermelhas e a estampa de um cara morto; o chamavam de reacionário. Enfim, a faculdade acabou e Adalberto agora tinha que arrumar um emprego.

No entanto, nisso ele teve sorte, os anos 80 viraram moda e hoje Adalberto trabalha num museu sobre o tema e é visto como um cara “super-prafrentex”. No entanto ele continua o mesmo, quando a moda passar ele vai ser o velho cara esquisito de sempre, e Adalberto ainda não entende esse mundo maluco.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A caixa de Pandora

Epimeteu, era um homem estranho que caminhava por estradas vazias, passava por pessoas e lugares e apenas continuava andando. Ele não reparava mais nas pessoas, pois a muito já tinham deixado de reparar nele. Para os outros, Epimeteu era apenas uma sombra ambulante, a personificação de algo que existe em todos, mas que ninguém gosta, tem medo. Para ele os outros eram estranhos em quem não conseguia confiar, não se permitia.

As vezes sentia uma forte vontade de se estabelecer num lugar como todo mundo, mas não conseguia, tinha que continuar sua busca. Ele sabia que sua busca não seria nada fácil, e talvez também nunca chegasse a seu propósito final. Tantos já haviam tentado e falhado, desde tempos imemoriáveis.

Certa vez quando parou para descansar conheceu algumas pessoas, já caminhava há bastante tempo sem parar. Se lembrando de tempos antigos antes de iniciar sua busca, antes de se preocupar com coisas inúteis, individualistas e repulsivas do mundo, ele se encantou com aquelas pessoas com quem se parecia. Essas pessoas que conhecera também pareciam estar perdidas e procurando algo. A diferença é que Epimeteu já sabia o que buscava, mas isso só o fazia mais triste e perdido, pois não se alienava na segura ignorância.

Por algum tempo se sentiu bem junto daquelas pessoas, no entanto sabia ele que essa alegria teria um fim próximo. Tentou preparar-se para tal, mesmo assim quando chegou a hora, se sentiu totalmente vazio, mais do que antes, pior do que quando estava sozinho, pelo menos até aquele momento.

Um pouco antes de partir de novo, pois lembrara de sua busca importante, conheceu outra pessoa. Epimeteu já havia estado com esta pessoa antes, junto com os outros. Mesmo assim agora era muito diferente, como se nunca a tivesse visto ou reparado. Se encantou de imediato, como se estivesse enfeitiçado; não pensava mais na solidão de sua busca, ate tomara forma novamente, deixara de ser apenas uma sombra. Sua busca fora novamente deixada de lado, parecia não ser necessária no momento.

Não mas que de repente aquilo tudo veio a baixo, ele nem mesmo sabia descrever como aconteceu, sabia que não existia mais. No lugar daquele sentimento que aquecia seu peito Epimeteu construiu um muro de concreto, para nunca mais ser aberto. Voltou a ser a mesma sombra, voltou a sua busca.

A estrada era de novo sua única companheira, fiel e devastadora. Ao mesmo tempo em que não o abandonaria em momento algum, não o acalantava, muito pelo contrario, minava sua vontade de continuar. No entanto Epimeteu jamais desistira, continuava na sua busca sem rumo por esperança.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Comuna de Paris: estória de uma classe. parte 2

Os poderosos que não fugiram tiveram de aceitar o poder popular. Não havia mais governo na cidade, os burocratas do Hotêl de Ville corriam agora se refugiar em Versalhes. A população teria de controlar Paris, pois jamais a entregariam na mão dos imperialistas que estavam a sua porta. Pensaram então em como organizar e manter toda Paris funcionando. O Diretório Central era a única instituição de poder popular no momento em Paris, eram os delegados eleitos por voto direto, representantes de cada bairro para organizar a Guarda Civil. O poder lhes caiu no colo, eles foram chamados ao Hotêl de Ville, resistiram, mas se viram impelidos a aceitar. Não aceitavam o comando da cidade, mas como pessoas apaixonadas por seu povo passaram a organizar o governo, e seu primeiro ato foi convocar eleições para colocar pessoas eleitas devidamente onde estavam. Havia muita desorganização, tempo era necessário, mas não o tinham, Paris precisava ser alimentada. Muitos desejavam a cabeça de Thiers, queriam marchar sobre Versalhes para destruir de vez a corja reacionária do Governo Provisório. Mas a decisão final foi que o povo parisiense precisava de mais atenção no momento.

A cidade festejava a libertação que haviam conseguido, e tentavam todos, organizar os serviços. Jornais, a polícia e outras instituições do governo foram tomadas pelo povo armado. Várias fabricas abandonadas pelos burgueses agora eram gerenciadas pelos trabalhadores como achavam melhor. Muitos dos serviços como correios, transportes, alimentação e previdência também foram abandonados pelos gestores que os comandavam, os funcionários proletários assumiram; enfim a cidade era do povo parisiense, não mais de seus exploradores.

Em alguns dias as eleições foram organizadas, o povo compareceu aos milhares para votar, nunca houvera tanta participação popular nas eleições. Dentre os eleitos estavam já conhecidos revolucionários que há tempos lutavam contra a burguesia, mas também figuravam homens simples, operários conhecidos apenas em seus bairros. Um dos mais votados pelos operários fora Eugène Varlin, um operário há muito conhecido por suas lutas, na liderança de greves, das associações de ajuda mútua e do restaurante comunitário que fundara. Era também um dos líderes da secção parisiense da Internacional. Um de seus votos foi dado por Joulon, amigo dos tempos de paz, quando podiam ter longas conversas na cede da Internacional; Joulon tinha ido até visitá-lo na prisão meses antes. Mas há algum tempo não tinham mais tempo de conversar, enquanto Varlin era comandante de um batalhão da Guarda Civil, Joulon servia em outro, desde o cerco de Paris pelos prussianos quase não se viram.

Durante a posse, mais de duzentas mil pessoas na frente do palácio do governo municipal acompanharam seus eleitos e festejaram juntos, aos serem apresentados um coro uníssono grita “Vive La Comune”, bandeiras vermelhas agitam-se por todos os lados. Agora a Paris revolucionária tinha seus eleitos, que deveriam fazer avançar, conjuntos ao povo, aquela revolução. No palanque estavam figuras muito diferentes, operários que até outro dia lideravam greves em suas fábricas agora estavam imbuídos de ajudar a governar Paris. Também havia pequeno-burgueses, representantes eleitos por um povo de várias classes e vários ideais quanto aquela revolução. As diferenças ideológicas se uniam neste momento, para fazer avançar a Paris livre. Assistindo com orgulho e esperança a posse dos eleitos do povo estava Joulon, que aplaudia com entusiasmo a cada anunciado, e especial carinho na vez de seu amigo Varlin. A seu lado estava outra amiga dos dois, uma conhecida lutadora dos direitos das mulheres e dos trabalhadores, Louise Michel, que desde janeiro vestia o uniforme da Guarda Nacional, e trabalhara incansavelmente para a vitória dos trabalhadores. Após a posse o povo parisiense saiu em passeata pelas ruas da cidade, festejando sua revolução.

Nos dias que se seguiram Paris ia cada vez mais se organizando, foram formadas comissões responsáveis por cada setor da vida da cidade. O povo participava ativamente dessa imensa reestruturação. Todos trabalhavam com mais leveza, apesar dos tempos de guerra, os trabalhadores iam com mais vontade exercer suas funções, sentiam que agora trabalhavam para si, para seu povo, e não para sustentar o burguês que lhe explorava. Mas não eram ingênuos, sabiam que a reação seria severa, a burguesia não veria calada a revolução proletária triunfar. Por isso ao lado da máquina de cada operário estava seu rifle, para assim, defender com a vida se preciso, a Revolução.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Comuna de Paris: estória de uma classe, parte 1

O ano era 1871, o exército francês, liderado pelo Imperador Napoleão III, perdera vergonhosamente a guerra contra a Prússia. Boa parte do exército francês encontrava-se sob custódia prussiana, inclusive o próprio Napoleão, que já não era mais imperador; a república havia sido proclamada em Paris. Desde agosto de 1870 empoleirados no palácio do governo estavam os maiores burgueses e nobres da França, juraram para o povo de Paris que jamais o exército prussiano entraria em Paris, nem que lhes custasse a vida. Mas desde o início a traição já havia sido planejada, entregaram Paris para salvar suas fortunas, seus status; fariam o povo pagar a conta da guerra, só precisavam descobrir como. Enquanto o exército era formado pelas classes médias, e seu alto escalão pelos mais tradicionais nobres, a guarda nacional parisiense era quase completamente formada pelos trabalhadores pobres. A população estava armada para lutar contra os invasores estrangeiros, não imaginavam terem de lutar contra seus próprios compatriotas.
A população parisiense já havia agüentado vários golpes, trabalhavam para sustentar um exército que não os defendia, os prussianos já estavam acampados nos arredores da cidade, não entravam pois temiam a população armada. O Governo Provisório estava assentado em Versalhes, onde reuniam a corja reacionária francesa. Parte do exército francês também estava acampado a margem da cidade sitiada, a população lhes alimentava.
Thiers, o chefe da república traidora, tinha vendido Paris e precisava entregar, para isso sabia que teria de desarmar a população, pois eles jamais se renderiam aos invasores. O golpe fora tentado na noite de 17 de março, as tropas do exército que estavam acampadas na entrada de Paris, entraram pela cidade no meio da madrugada para recolher os canhões da Guarda Nacional, pela manhã ainda não tinham conseguido levar-los.
A população acorda para mais um dia de trabalho e percebe rapidamente o que esta acontecendo. As mulheres cercavam os soldados tentando os impedir, houve-se o toque da Guarda Nacional, em poucos minutos centenas de trabalhadores estão nas ruas empunhando seus fuzis com gritos de viva a república. Na colina de Belleville, um desses trabalhadores é Auguste Joulon, um simples operário que tinha pouco estudo, mas que sabia muito do que fazia. Sabia que a situação era crítica, e não desejava lutar contra seus semelhantes que estavam com outro uniforme. Acompanhado de seu filho mais velho ele levanta a coronha de seu fuzil e começa uma marcha ate o alto da colina. Outros trabalhadores seguem seu exemplo e com a coronha de seus fuzis para cima, mostrando que não atacariam os soldados, conclamam os soldados a se juntarem a eles e não levarem os canhões.
Muitos dos soldados que estavam ali para levar as armas da população também eram trabalhadores, que tinham se filiado ao exército para tentar defender a França. Eles tinham sido alimentados pela população parisiense por semanas, não desejavam lutar contra eles. Ao verem aqueles trabalhadores de peito aberto chamando-os para juntarem-se a eles e defender a República, defender Paris da traição de Versalhes, os soldados aderiram a marcha e com os fuzis para cima engrossavam o volume da população que subia ate os canhões.
No final da subida, centenas de pessoas se deparam com um general, seus oficiais e alguns soldados. Os trabalhadores pedem que sigam o exemplo dos outros soldados e desistam de levar os canhões. O general ordena que seus soldados abram fogo contra a população e prendam os desertores. A ordem não é acatada, o general é que fora preso, e aos gritos de “Vive La Commune” as armas da população são salvas. O povo confraterniza e sabe que agora a cidade é deles, e precisam colocar-la para funcionar.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um caso complicado

Um homem, esguio mas de boa aparência, adentra a chefatura de polícia com uma expressão estranha no rosto, parecia meio transtornado. Aquele ambiente não lhe agradava, sentia-se incomodado com tantos agentes da “lei” a sua volta; mas não sabia mais como lidar com aquela situação, aquele era seu último recurso. Tinha pensado em fazer justiça com as próprias mãos, mesmo não tendo ideia de como. O crime que lhe haviam infligido era comum, no entanto as pessoas pareciam não se importar com o fato. O homem sentia-se perdido sem o que lhe fora roubado, não que fosse sua posse, contudo, não os ter lhe fazia muita falta.

Na delegacia ele não sabia direito aonde ir, com quem falar. Primeiro esperou sentado no que parecia ser uma fila, que demorou mais em sua cabeça que no relógio. Não falou uma palavra sequer com as outras pessoas que estavam a sua volta também a esperar na fila para serem atendidos, parecia ser um homem solitário. Até que enfim chegou sua vez, num balcão de madeira já surrado pelo tempo, foi atendido por um policial gordo e com a cara de quem não tinha tido uma boa noite de sono. Mesmo sentado a frente do computador, em uma tarde agradável, o policial suava, a camisa manchada era visível.

- Qual a sua queixa?

- Eu fui roubado, e quero que as assaltantes sejam presas.

- Assaltantes! Então é uma quadrilha? Perguntou espantado o policial.

- Deve ser senhor, pois tudo o que me roubaram tinha igual valor para mim, e me eram de muita estima.

- Vamos registrar um boletim de ocorrência, o senhor disse que são várias as meliantes?

- Sim.

E todas elas lhe roubaram coisas parecidas?

- Não eram bem coisas, mas sim, eram parecidos.

- Como assim não eram coisas? Como podem roubar algo que não é uma coisa? O que lhe roubaram afinal? Na face do policial uma expressão de quem não compreendia direito o que ocorria, e já achava que o homem a sua frente estava de sacanagem.

- Roubaram meus amigos senhor. Falou o homem com uma voz pra dentro, como se não soubesse direito o que estava fazendo ali.

- E o que roubaram dos seus amigos? Porque eles mesmos não vieram aqui dar queixa?

- Não senhor, meus amigos não foram roubados. Roubaram meus amigos, quatro só neste ultimo ano.

- O senhor esta de gozação?

- Não senhor, é sério. Posso lhe dar o endereço das ladras. E lá o senhor também vai encontrar meus amigos, eles estão sendo mantidos sob custódia.

- Então não é roubo, seus amigos foram sequestrados. Não é isso?

- Não, o senhor não esta me entendendo, vou tentar explicar melhor. Eu tinha vários amigos, andávamos sempre juntos, nos divertíamos, amigos de verdade. E um a um eles foram sendo levados por essas mulheres que os mantém trancafiados. Eles até aparecem de vez em quando, mas sempre com as assaltantes, como se tivessem uma amarra presa a seu pé.

- Olha aqui - falou o policial levantando-se da cadeira e também seu tom de voz - eu não estou de bom humor hoje não. Você pode dar meia volta e sumir daqui antes que eu lhe ponha no xadrez.

- Mas policial, o senhor não vai me ajudar?

- Já disse, tem outras pessoas querendo ser atendidas, não vou falar de novo. Fora daqui se não quiser passar a noite atrás das grades.

O homem então virou-se desanimado, dando as costas para o balcão e para o policial gordo, que se sentava novamente para dar continuidade a burocracia que lhe cabia. Cabisbaixo o homem, que se sentia sozinho pensava: sabia que esses coxinhas malditos não me ajudariam, não sei porque diabos vim aqui. Saindo dali passou num bar, e com uns reais a menos e umas garrafas a mais estava decido a recuperar seus amigos.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O aviso da morte - um conto de terror

Andava através de um terreno tenebroso, tropeçando em algumas pedras pelo caminho, não sabia onde estava, acordara caído no escuro. Não mais que de repente a lua apareceu por detrás de uma densa nuvem e clareou um pouco a noite com sua luz pálida. Com a luz da lua refletida de uma das pedras em seus olhos, enquanto caminhava conseguiu decifrar onde estava. Estremeceu-se. Na pedra ele leu: Aqui jaz Victor Pascow, e quando olhou em volta viu um cemitério que se estendia pela noite sombria.

A noite fria escureceu ainda mais com a lua escondendo-se em uma nuvem, foi quando percebeu que o nome na lapide era o seu. Um arrepio lhe subiu pela espinha, tamanho foi o susto que Victor perdeu as forças; suas pernas falharam e ele caiu sobre seu túmulo. Como poderia estar morto? Sentia frio, percebeu que estava com fome também. Mortos sentem frio? Sua cabeça girava, estava confuso.

Caído no meio do cemitério, Victor olhou mais atentamente sua lápide, faleceu em 13/08/2010. Mas não conseguia lembrar que dia era. Victor decidiu levantar. Ficar ali caído não resolveria nada, pensou que poderia estar sonhando e resolveu encontrar a saída. Andou pelo cemitério por alguns minutos mas a escuridão desorientava-o, não conseguiu chegar a lugar nenhum, andava em círculos. Victor voltou ao ponto de partida, seu túmulo, e como achava que estava sonhando resolveu cavar e ver o que encontraria. A terra estava solta, parecia ter sido mexida há pouco, depois de algum tempo de trabalho chegou a algo mais sólido, um caixão.

Ele não teve coragem de abrir, tinha medo de que realmente estivesse lá dentro. Saiu da cova, talvez não fosse um sonho. De pé, sujo de terra ao lado do buraco olhava para o caixão dentro da cova com seu nome. De repente sentiu tocarem seu ombro. Seu coração disparou no peito, uma mão gelada tocava seu ombro, uma voz rouca o chamou pelo nome. Victor virou-se lentamente. Viu uma criatura bizarra, enorme, com um cabelo grande cobrindo parte de seu rosto disforme. A pouca luz atrapalhava a visão. “Tome cuidado com a luz que vem ate você, o cheiro da morte esta por toda parte”, disse o ser estranho, com uma voz grave e seus olhos enormes brilharam. Victor não pensou duas vezes, saiu correndo por entre as tumbas, tropeçando nas lápides, completamente aterrorizado com aquilo.

Nesse instante um trovão rompe o ar com um imenso estrondo, e o relâmpago clareia todo o cemitério por um instante. Victor pára. Então uma imagem lhe vem à cabeça, aquela figura aterrorizante de quem fugia amedrontado era de alguma forma familiar. Com mais um relâmpago, como um flash, atinge sua mente. Aquele ser de quem corria era Joe Ramone. Victor ficou sem entender nada.

Quando deu por si percebeu que já tinha passado os limites do cemitério e estava no meio de uma rodovia, mas ainda em choque. Outra luz o iluminou, mas dessa vez não era um relâmpago. Um caminhão vinha em sua direção a toda velocidade, piscando os faróis. Com o caminhão a centímetros de seu corpo, Victor acorda pulando de sua cama, desorientado olha em volta, estava em seu quarto.

Sua mãe piscava a luz no interruptor para acordá-lo, e no despertador de seu radio tocava “Pet Sematary”. Fora tudo apenas um pesadelo suspirou aliviado e levantou correndo, estava bem atrasado. Aprontou-se rapidamente e saiu a caminho do trabalho. Durante todo o dia ficou apreensivo, pensando no sonho estranho, mal conseguiu trabalhar, mas nada aconteceu. Os dias foram se passando e Victor se esqueceu do sonho que tivera e, se esqueceu de um detalhe. A sexta feira chegou e Victor não olhou o calendário.

Após o expediente, a caminho do barzinho de sexta onde encontraria os amigos para a merecida cerveja depois de tanto trabalhar, Victor se distraiu com um cartaz; a estréia de um filme. “Sexta feira, 13 de agosto, HOJE”. Victor ficou paralisado. Lembrou-se e, como no sonho, Victor estava no meio da rua. Uma luz o iluminou, um som rompeu o ar. A buzina avisava o inevitável. O caminhão atingiu seu corpo e o arremessou longe, uma poça de sangue formou-se em volta da sua cabeça, mas não havia dor. Victor levantou rapidamente, assustado; as pessoas olhavam em sua direção com olhares aterrorizados; ele não entendeu nada. Ele notava agora que o ar estava estranho, parecia haver uma neblina por toda parte.

Dessas brumas surgiu um ser estranho, a criatura movia-se suavemente por entre as pessoas pela rua, nem parecia dar passos. Um manto negro cobria todo seu corpo, era a morte que chegara! Victor estremeceu, olhou para trás e viu seu corpo todo ensangüentado jogado ao chão. A morte chegou perto e disse num tom solene: eu tentei te dar uma chance, você não me ouviu. Slash!! E sua alma fora ceifada.